quarta-feira, 27 de julho de 2011

Porto, Miragaia

Esta freguesia tem uma história triste. Em frente, do outro lado do rio Douro, havia um castelo habitado por um rei árabe. Aliás na região em frente ao Porto deve ter andado a mouraria durante muito tempo porque na toponímica ainda hoje perduram designações árabes tais como Afurada e Mafamude. Com esse rei, D. Ramiro tinha um tratado de paz do qual o mouro não quis saber, roubando-lhe a mulher, D. Gaia.
O rei coitado, veio das Astúrias, por aí abaixo, com o filho e meia dúzia de cristãos para tirar a mulher das garras do maometano.
Desembarcou na Afurada, disse aos seus homens que se escondessem nos pinhais de Lavadores e que só atacassem quando ouvissem a sua corneta.
Ramiro encaminou-se para a borda de uma fonte onde estava uma moura a encher a cântara. «É para D. Gaia a água», disse a bela aia. O rei pediu para beber da cântara e ao fazê-lo deitou para o fundo da vasilha um anel bem conhecido da rainha.
Quando esta viu o anel, questionou a moura e mandou buscar o rei cristão. «Como me achaste?». «Foi o teu amor que me guiou!» retroquiu-lhe o rei galanteador. Oh, ledo engano!. D. Gaia mandou que o metessem na masmorra e que não lhe dessem de comer.
Quando, passados dias, o rei Mouro chegou da caça, a sua amante D. Gaia, contou-lhe o sucedido e mandaram que lhe trouxessem o invasor. «Vais morrer», disse-lhe o altivo mouro, «mas como és rei diz-me o que me farias, se fosse eu o preso». O rei Ramiro, cheio de ódio e fome, disse-lhe:«Primeiro mandava-te comer um grande capão assado; depois far-te-ia tocar uma corneta na torre mais alta do castelo até estourares; e abriria as portas das muralhas para que toda a gente pudesse vir assistir à tua morte». «Ai é?», diz o soberbo mouro com a aprovação da sua amante Gaia, «pois será isso mesmo que te vou fazer», mandando-lhe dar o capão assado em vinhas de alho e ervas aromáticas e abrir os portões da fortaleza enquanto Ramiro soprava no corno, no cimo da torre mais alta. Ao ouvirem a corneta, os homens de Ramiro lançaram-se pelos portões adentro não ficando ali nenhum mouro vivo, nem do castelo pedra sobre pedra. Entretanto a rainha Gaia olhava as chamas a devorar os aposentos reais do seu amante e chorava...«Que miras tu, ò desavergonhada» diz Almeida Garret que terá perguntado o rei para a rainha. Ao que esta terá respondido:

«Perguntas-me o que miro!
Traidor rei, que hei-de mirar?
As torres daquele alcácer
Que ainda estão a fumegar.

Pois mira, Gaia. E dizendo
Da espada foi arrancar;
Mira, Gaia, que esses olhos
Não terão mais que mirar!

Foi-lhe a cabeça dum talho
E, com o pé, sem olhar,
Borda fora empunha o corpo...
O Douro, que os leve ao mar!

Do estranho caso ainda agora
Memória está a durar.
Gaia, é o nome do castelo
Que, ali, Gaia, fez queimar

Ainda, hoje, está dizendo,
Na tradição popular,
Que o nome tem Miragaia,
Daquele fatal mirar»

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